A Covid-19 trouxe a Portugal uma situação excepcional de saúde pública. Encontrando-se em curso a fase de mitigação na qual também se deve evitar ao máximo a propagação do corona vírus. Havendo assim uma especial necessidade de medidas de protecção ao direito à habitação as quais se direccionam sobretudo, mas não só, aos contratos de arrendamento que se encontram em fim de prazo. Os quais, seguindo o seu curso normal, não havendo renovação dos mesmos, implicariam a saída, ou despejo, dos arrendatários das casas que habitam. O que agravaria a questão de saúde pública que se pretende proteger com o estado de emergência.
A saída dos arrendatários por motivo dos contratos estarem em fim de prazo, ou para os quais já foi decretado o seu despejo, implicaria a necessidade de essas pessoas terem de ir procurar uma nova habitação. O que é incompatível com a situação de confinamento em que se vive. Daí que tenha sido decretado através do nº 10 do artigo 7º da lei 1-A de 2020 que “são suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.”
E por aqui temos uma primeira protecção aos arrendatários que pudessem, legalmente, ser despejados da sua habitação por motivo de anterior acção de despejo ou de procedimento do Balcão Nacional de Arrendamento.
Estes despejos, chamemos-lhe assim genericamente, estão suspensos. Ou seja, não são executados mantendo-se assim o inquilino na sua habitação. Sendo certo que o aspecto genérico daquele nº 10 do art. 7º nada referindo quanto a saber-se se, mesmo no caso de ter havido trânsito em julgado da decisão que tenha decretado o despejo, somos de entender que, atento o valor superior que se pretende atingir __ protecção da saúde e mitigação da pandemia__ a suspensão dos despejos existirá em qualquer circunstância. E existirá, apesar de a lei apenas falar em acção, mesmo nas execuções previstas no art. 862º do Código de Processo Civil. Sendo certo que aquele nº 10 do artigo 7º, a nosso ver, não contempla as execuções, a verdade é que em mais recente legislação tal veio a acontecer. Na realidade mal seria fechar-se a porta aos despejos provindos de acção ou procedimento de despejo e se deixasse a janela aberta aos mesmos através das execuções que não sejam hipotecárias. Sendo que a suspensão das execuções hipotecárias, e só estas, se encontra regulada na alínea b) do art. 8º da Lei 1-A de 2020.
Assim, tendo sido alterado aquele dispositivo através da lei 4-A 2020, passou agora, expressamente, no seu ora nº 11 do art. 7º, a dizer-se que são suspensas, para além das acções de despejo, também as execuções para entrega de coisa imóvel arrendada. Todavia, pensamos nós, que se a efectivação do despejo do inquilino não o colocar, como diz a lei, numa situação de fragilidade por falta de habitação própria, ou por outra razão social imperiosa, então poderia o mesmo ser efectivamente despejado.
Coisa bem diferente é o arrendatário, por sua própria iniciativa, pretender fazer a entrega do imóvel. O que, apesar da legislação em vigor, nada impede que tal possa acontecer.
Nestas questões de arrendamento para além do habitacional temos também o não habitacional __ estabelecimentos comerciais, instalações fabris, escritórios etc.
E mal teria andado o legislador se, no que se refere ao arrendamento não habitacional, não tivesse também produzido medidas de excepção. O que veio a acontecer com o Decreto 2-A/2020 no seu art. 10º onde com a epígrafe Efeitos sobre contratos de arrendamento e outras formas de exploração de imóveis determina: O encerramento de instalações e estabelecimentos ao abrigo do presente decreto não pode ser invocado como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacional ou de outras formas contratuais de exploração de imóveis, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis em que os mesmos se encontrem instalados.
Conforme é consabido, inúmeros estabelecimentos, mencionados no anexo I conforme determinado no art 7º daquele Decreto 2-A, encontram-se encerrados e por tempo indeterminado com início em 22/3/2020.
Acontece que, nos termos do art. 1083º nº 2 d) do Código Civil, o não uso do local arrendado por período superior a um ano permite ao proprietário/senhorio resolver o contrato de arrendamento. Todos nós esperamos e desejamos que este estado de emergência não perdure por um ano. Mas mesmo que perdurasse, tal circunstância, face à obrigação de manutenção do estabelecimento encerrado, não seria motivo de resolução contratual. Situação bem diferente é o caso do estabelecimento já se encontrar encerrado anteriormente ao estado de emergência. Todavia era intenção do arrendatário reabri-lo. Mas a situação em que vivemos não o permite. E, neste circunstancialismo, somado o período anterior de encerramento ao actual período obrigatório de encerramento perfaz um ano sem qualquer actividade no estabelecimento. Ora atento o emanado do citado artigo 10º do decreto 2-A de 2020, este último período __ o do encerramento obrigatório__ não pode ser somado ao do encerramento voluntário do arrendatário.
Este período de encerramento obrigatório não pode assim ser fundamento de resolução do contrato de arrendamento. Todavia se em vez da existência de arrendamento alguém se encontrar a explorar o imóvel, através de uma outra forma contratual que não seja a do arrendamento, a situação de não resolução contratual mantém-se. É o caso, a nosso ver, da cessão de exploração do estabelecimento.
Outra situação conexa com este tema é a questão do pagamento das rendas nesta época de crise económica pela ausência ou diminuição de rendimentos dos arrendatários. E aqui há que não esquecer que também existem proprietários/senhorios que se encontram em dificuldades económicas pela ausência ou diminuição de rendimentos dos seus arrendatários. Todavia este tema da possibilidade de não pagamento das respectivas rendas será objecto de apreciação numa outra exposição sobre esse tema.
Por último a situação da alínea b) do artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, que estabelece a suspensão das execuções de “hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado”. Temos aqui o caso de alguém que contraiu um empréstimo para aquisição da sua habitação própria permanente e constituiu uma hipoteca para garantia. Se, por qualquer motivo deixou de pagar as prestações/amortizações, e o credor o accionou judicialmente, havendo o risco de venda do imóvel e consequente saída do seu primitivo proprietário, também neste caso se suspende o processo judicial que levaria ao “despejo”.
Situação diferente é o caso de este imóvel ser a sua residência secundária __casa de férias ou de vilegiatura__ nesta situação o imóvel seria vendido e entregue a quem o comprar. Não havendo qualquer suspensão do processo.
Última nota, apesar da epígrafe “Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários” do preceito mencionado, como se acaba de ver a alínea b) do citado artigo não se aplica apenas arrendatários mas também a mutuários em sede de execução de hipoteca. Pecando assim a epígrafe do artigo por exiguidade.
*(Foi usada a grafia anterior ao acordo ortográfico em vigor à excepção das transcrições legais.)
O presente artigo é meramente informativo e tem carácter geral e abstrato.
Para obter informações mais detalhadas deverá procurar um profissional qualificado por forma a analisar a situação caso a caso.
Se pretender obter esclarecimentos adicionais sobre este tema deverá contactar-nos através do e-mail castelo@casteloadvogados.pt