Atenta a declaração do Estado de Emergência de 18 de março de 2020, renovada no passado dia 02 de abril pelo decreto do Presidente da República nº 17-A/2020, o governo inicialmente através do Decreto nº 2-A/2020, de 20 de março, veio proceder à execução daquela declaração, estabelecendo medidas excecionais, extraordinárias e temporárias, restritivas de direitos e liberdades, em especial dos direitos de circulação e liberdades económicas, por forma a dar resposta à situação epidemiológica ocasionada pela doença Covid-19 e salvaguardar o bem maior que é a saúde pública e a vida de todos os portugueses.
Dada a proliferação de casos registados de contágio de Covid-19 e com vista a impedir, ou pelo menos minorar, a transmissão do vírus e a conter a pandemia, após a renovação do Estado de Emergência, tendo-se detetado na vigência do Decreto nº 2-A/2020 situações que careciam de regulamentação expressa, o governo, revogando aquele Decreto, aprovou, através do Decreto nº 2-B/2020, de 02 de abril, um novo conjunto de medidas extraordinárias e de carácter urgente, criando limitações adicionais à circulação além das já previamente impostas.
O desrespeito das medidas excecionais impostas pelo Decreto nº 2-B/2020 constitui a prática de um crime de desobediência punível com pena de prisão ou de multa.
Por forma a compelir ao cumprimento das medidas excecionais aprovadas, o Decreto nº 2-B/2020, à semelhança do revogado Decreto nº 2-A/2020, comina expressamente a infração de algumas dessas medidas como crime de desobediência, previsto no art.º 348.º, nº 1, alínea b) do Código Penal, punível com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.
O Decreto nº 2-B/2020 prevê expressamente como situações que podem levar à perseguição e punição pelo crime de desobediência, a violação da suspensão de atividades no âmbito do comércio a retalho e da prestação de serviços, com exceção daqueles que disponibilizem bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais na presente conjuntura e que se encontram enumerados no anexo II do mencionado Decreto. Excecionando-se também dessa imposição de suspensão de atividade os estabelecimentos de restauração e similares que durante este período funcionem exclusivamente para efeitos de confeção destinada ao consumo fora do estabelecimento ou entrega ao domicílio.
Também, no âmbito das limitações das liberdades económicas, o desrespeito pela imposição do encerramento dos estabelecimentos elencados no anexo I ao Decreto, – de que são exemplo, discotecas, bares, circos, cinemas, museus, bibliotecas, ginásios, casinos, etc. – é explicitamente cominado pelo Decreto nº 2-B/2020 como constituindo crime de desobediência.
No que diz respeito às medidas restritivas da liberdade de circulação, o Decreto nº 2-B/2020 prevê expressamente a cominação de crime de desobediência para a violação da obrigação de confinamento obrigatório imposta aos doentes com covid-19 e aos infetados com SARS-Cov2, e ainda sobre todos os restantes cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado vigilância ativa.
Cumpre, no entanto esclarecer que, se a violação de tal obrigação de confinamento contribuir para o contágio causando perigo para a vida ou integridade física de outra pessoa, tal constitui também a prática de um crime de propagação de doença, previsto no art.º 283.º, nº 1 do Código Penal, punível com pena de prisão de um a oito anos.
O Decreto nº 2-B/2020 comina também com o crime de desobediência a violação da limitação adicional à liberdade de circulação, a aplicar no período comemorativo da Páscoa, que proíbe os cidadãos de circular para fora do concelho de residência habitual entre as 00:00 horas do dia 09 de abril e as 24:00 horas do dia 13 de abril. A essa proibição de circulação apenas se excecionam as circunstâncias em que tal circulação se mostre necessária por motivos de saúde ou por outros motivos se urgência imperiosa, bem assim como, a circulação dos profissionais de saúde e outros trabalhadores de instituições de saúde e de apoio social, agentes de proteção civil, forças e serviços de segurança, militares e pessoal civil das Forças Armadas, inspetores da ASAE, titulares de cargos políticos, magistrados e líderes dos parceiros sociais, desde que no exercício das funções e munidos de uma declaração da entidade empregadora que ateste que se encontram no desempenho das respetivas atividades profissionais, sob pena de incorrerem na prática de crime de desobediência.
Sucede que, o Decreto nº 2-B/2020 não prevê expressamente a cominação do crime de desobediência para quem viole o dever especial de proteção – que limita a liberdade de circulação aos maiores de 70 anos, imunodeprimidos e portadores de doença crónica que de acordo com as orientações de autoridades de saúde devem ser considerados de risco, aos quais só é permitido circular em espaços e vias públicas, ou em espaços e vias equiparadas a vias públicas para alguma das finalidades expressamente enunciadas naquele diploma – nem o dever geral de recolhimento domiciliário pendente sobre os demais cidadãos que apenas permite as deslocações para as finalidades expressamente previstas, de que são exemplo as deslocações para aquisição de bens e serviços, para efeitos de desempenho de atividades profissionais ou equiparadas ou para procura de trabalho ou equiparado.
Tal não significa, contudo, a impunidade para as condutas violadoras dessas medidas excecionais, cuja cominação será sempre a do crime de desobediência nos termos do referido artigo 348.º do Código Penal conjugado com o art.º 6.º da Lei de bases da proteção civil, ativada no passado dia 13 de março de 2020, através do despacho de Declaração de situação de alerta em todo o território nacional assinado pelo Ministro da Administração Interna e pela Ministra da Saúde.
Sendo, no entanto necessária um prévio desrespeito por ordem legítima emanada pelas forças e serviços de segurança a quem cumpre fiscalizar o disposto no Decreto nº 2-B/2020, não se mostrando, nestes casos, suficiente para a perseguição e participação pelo crime de desobediência a simples verificação da infração do dever especial de proteção ou do dever geral de recolhimento domiciliário.
Nos termos do nº 4 do citado art.º 6 da Lei de bases da proteção civil, “a desobediência e a resistência às ordens legítimas das entidades competentes, quando praticadas em situação de alerta, contingência ou calamidade, são sancionadas nos termos da lei penal e as respectivas penas são sempre agravadas em um terço, nos seus limites mínimo e máximo”.
Deste modo, qualquer cidadão que viole uma ordem legítima de uma entidade competente para fazer face à atual situação epidemiológica a nível mundial pode incorrer na prática de um crime de desobediência simples com a moldura penal agravada em um terço, ou seja, a punição poderá ir até 1 ano e 4 meses de pena de prisão ou até 160 dias de pena de multa.
O presente artigo é meramente informativo e tem caracter geral e abstracto.
Para obter informações mais detalhadas deverá procurar um profissional qualificado por forma a analisar a situação caso a caso.
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